O culminar da vida

Death is not punishment but as the culmination of a life.
La muerte no es castigo, sino la culminación de una vida.
La mort n'est pas la punition, mais l'aboutissement d'une vie.
La morte non è la punizione, ma il culmine di una vita.

O nosso trabalho condiciona a nossa maneira de estar, agir, pensar e sentir. No exercício da minha profissão várias vezes tenho assistido ao terminus da vida, facto que não só interfere com o próprio e os entes queridos mas é transversal a todo o pessoal da saúde, a quem mais do que a morte o sofrimento é mais traumatizante. Os profissionais de saúde têm uma responsabilidade grande em discutir e reflectir sobre a questão de modo que possam oferecer um cuidado autêntico com o ser humano, a questão da morte como parte inerente à existência humana, atentando para a necessidade de se compreender as relações de cuidado e as formas de relacionamento humano para melhorar a acção dos profissionais de saúde para compartilhar com os doentes num momento existencial que pode e deve ser vivido com dignidade. É um momento marcante para todos os profissionais, por muita rotina lhe esteja associada, lembro ainda o poema que redigi em 1984 quando assisti à morte dum doente numa luta desigual com um tumor:


A dor humana

Corpo corroído e dorido na mágoa
sofres a taciturnidade
que soturnamente albergas!
Vives a dor amarga
revestida de lágrimas
amassadas de sofrimento vil.
Crês no futuro,
num sorriso iluminado
de esperança bonina,
perdida num primeiro sinal .
Aguardas morosamente irrequieto
o terminus da luta.
Olho-te magoado na profissão que vivo,
desculpo-me na rotina
que tão fragilmente me protege.
Sofremos!...
Como sofredores implacáveis,
mas tão paralelos!
Tu sofres humano dorido
e, eu sofro
com a dor humana!!

 
António Veiga
Hospital Distrital da Guarda, 10/7/1984

in "Poemas Completos"


Desde sempre que o Homem procurou como ser " superior" fugir a este desígnio de todos os seres vivos. Cada civilização foi obcecada, visível ou invisivelmente, pelo que pensou sobre a morte, desde os primitivos, egípcios, celtas, maias, etc. Não há nada mais aliciante que poder desfrutar da beleza da vida, poder usufruir de todas as maravilhas da vida, morte é de facto o fim, no entanto não é a finalidade da vida. Mas, não passará isso duma análise idílica de vida, será que a vida em muitos dos seus momentos não é ela própria uma carrasca, quando sofrimento é atroz ou quando os próprios progenitores são causa de sofrimento de muitas crianças a quem a sociedade fecha os olhos ou tardiamente os abre? Óbvio que nestas vivências de desespero alguns nada encontrarão de belo na vida. É bem verdade, que quando algumas pessoas são portadoras de uma deficiência física ou neurológica, também podem ter plena alegria e prazer em viver. Se existe obstáculos é de ordem de preconceitos. Infelizmente, o preconceito é uma deficiência do ser humano, mas nada que através de minimização das barreiras não se consiga superar, assim como o empenho do estado nesse papel. É um facto que o homem, desde sempre aspirou à imortalidade, vive preocupado em viver muito e não em viver bem quando afinal não depende dele exclusivamente viver muito, mas sim viver bem”.

 O conceito que o homem faz da morte varia de indivíduo para indivíduo, em função da sua educação, da sua filosofia de vida ou religião que professa, bem como da sua maturidade e grau perspectiva da própria vida. Embora nos tempos actuais se assuma como dado adquirido o prazer acima de tudo, nomeadamente o imediato e haja uma tendência de atribuir à medicina o fracasso das mortes, porque acredita-se ou pretende-se acreditar que quando alguém com 99 anos recorre ao serviços Hospitalares e morre a culpa da morte foi indubitavelmente dos serviços. A idade é em muitos dos casos, condicionante para o sucesso de cura ou tratamento das patologias, apetece-me dizer que morte está escondida nos relógios.

Assiste-se também a um "empurrar" por parte da sociedade dos idosos e deficientes para os serviços de saúde condicionados muitas das vezes pela pressão do mercado de trabalho e financeiras que eles acarretam, e mesmo que a maioria das estruturas arquitectónicas das casas em Portugal limita. Agravando-se pela falta de apoio que o Estado destina a esses agregados familiares. Ouvem-se barbaridades quando se comunica à família quando um idoso tem alta, pessoalmente já ouvi um filho que não levaria o pai de 75 anos com uma fractura trocantérica operada em recuperação, para casa e deveria ser o Hospital a resolver para onde o mandar, se não conseguisse que o pusesse no lixo, provavelmente ilustrando as limitações do próprio do filho quer em termos sociais como económicos. Com o aumento dos cuidados de saúde aumentou-se a esperança média de vida mas para uma sociedade consumista e mercantilista quem deixa de produzir é visto por maus olhos pela sociedade que os encara como fardos, sendo visível a falta de respeito pelos idosos, não se aproveitando esse saber para os mais novos, acabando-se por emparteleirá-los. A vida humana estendeu-se e o que havia nela encolheu. A vida humana é assim vagarosa, «objectivamente» vagarosa, mas o que acontece dentro dela é rapidíssimo.


Normalmente há o cuidado de esconder ou ignorar a morte ao longo das diferentes idades do Homem, tendo as religiões um papel na  sublimação desse estado final da vida. Há cientistas que defendem que os indivíduos com fé acabam por encarar a morte duma forma mais serena, mas a prática tem-me mostrado que a morte parece menos terrível quando se sofre muito. Talvez devêssemos evitar o pensamento actual a morte não nos diz respeito nem a mortos nem vivos: Vivos, porque ainda o estamos, mortos, porque já não existimos. Ousado será pensar que devíamos entender a morte não como um castigo mas como o culminar duma vida.

A força da intervenção dos órgãos de informação motivada pelas pressões culturais, socioeconómicas e políticas condicionam a análise que fazemos dalgumas mortes: vivemos obcecados pelas notícias de morte da gripe A, como epidemia grave que é, no entanto esquecemos, não noticiámos e desvalorizámos as múltiplas vítimas da gripe sazonal nestes anos todos ou mesmo as vítimas de acidentes de viação e de trabalho que anualmente já mataram mais que qualquer epidemia.

Pensem nisso

António Veiga


1 comentários:

ROSARINHA BASTOS disse...

Eu não saberia conceituar a morte. Mas, afirmo (com absoluta certeza) que ela me dotou de maturidade e de entendimento para saber conduzir (melhor)os meus dias comigo mesma e com os que estão acerca de mim... Ela (a morte), me trouxe a esperança do reencontro...

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