Hoje estou triste! A vida pode ter muitas razões para o seu
curso e âmago, mas sem sentimentos a vida tenderia para o vazio. São os
sentimentos que nos preenchem muito mais que as coisas. Penso que a felicidade se
cruza nessa permuta entre dar e receber afeiçoes. Aprendi na vida a amar as
pessoas e os animais mais que os objetos ou as coisas, mesmo sabendo que estas
podem ter uma durabilidade maior. Mas os sentimentos que emanam dos afetos
entre pessoas ou animais que amamos, são eternos por muito curtos que possam
ser no tempo. Treze anos de companhia são demasiados intensos de afeições que
de certa forma ajudam a apagar a tristeza que sinto. Chamava-se Matilde era uma
cadela basset hound que me conseguiu dar momentos de ternura e alegria, soube
fazer-me feliz na sua teimosia canina. Era uma Lady, que não só era louca por
comida como também apaixonada pelos que coabitavam com ela. Mas, na injustiça
biológica do tempo e do dimorfismo celular um cancro silenciosamente invadiu-a
e apoderou-se dela e corroeu-lhe o seu interior desgastando-a para a vida. E,
há momentos na vida que a coragem de acelerar uma separação é um grande ato de
amor. Porque a passividade de aceitar a continuidade do sofrimento é puro
egoísmo.
Valeram a pena todos estes anos? Se valeram! Quantos
momentos de felicidade! Quantas provas de amizade e fidelidade. Obrigado
Matilde serás lembrada como uma verdadeira lady com que adorava ouvir
atentamente os meus devaneios, mesmo que não os entendesse, ou talvez fosse eu
que não a entendesse os dela. Porém ela asseverou-me que os sentimentos são
algo muito nobre mesmo quando temos uma vida de cão. Afinal num mundo onde as
pessoas querem ser cada vez mais iguais a modelos que lhe são impingidos eu
cada vez mais fico mais próximo dos animais e eles conseguem conquistar os meus
sentimentos fazendo-me sentir mais um humano com mais sentimentos, afinal somos
todos animais e ninguém é Senhor deste planeta, apenas somos locatários
temporários, em que se estivéssemos todos dando as mãos a quem está ao lado de
certeza não sorariam mãos para se pegar numa arma. Mas isso são outras
considerações sobre o pseudo humanismo dos humanos. A Matilde foi sempre
superior a isso, embora tivesse pelo ruivo, tenho a certeza que se sentisse
dona do mundo nunca teria coragem de o ameaçar em carregar no botão de
destruição nuclear, afinal o único interesse dela era ver as pessoas felizes à
sua volta. Na sua sagacidade canina sabia compreender quando as pessoas que a
rodeavam estavam tristes, facilmente, sabia inventar tropelias para potenciar
harmonia e alegria. Até sempre Matilde, fico mais humano, mais triste, menos completo,
mas fui muito feliz nestes últimos 13 anos que partilhámos sentimentos.
Penso nisso
António Veiga